quarta-feira, 11 de novembro de 2009

A Arte da Manipulação

Vamos falar sobre aquilo que mais atemoriza muitos pais: Como conseguir não fazer a vontade a um filho ou a uma filha, quando sabemos que essa é a atitude mais correcta, mas não resistimos às técnicas muito evoluídas de manipulação que as crianças aprendem sabe-se lá onde?



Acontece todos os dias a criança querer alguma coisa, seja atenção, comida, um brinquedo, ou mil e uma outras coisas, mas o pai ou a mãe não considerar que essa é a melhor altura para satisfazer o seu desejo. E o que acontece? Ela resolve colocar em prática alguma ou várias das suas técnicas de persuasão, de forma a tentar conseguir o que pretende. O pior é que muitas vezes o consegue. Assim sendo, começa por ser importante os pais saberem com o que podem contar para não se deixarem enganar. Vamos, assim, por partes, e revejam comigo as técnicas de manipulação mais comuns:



Repetição – Nesta forma de persuasão, a criança repete até à exaustão o seu pedido. Pode ser um simples gelado, mas após pedir “quero um gelado” (e ouvir um “não” como resposta) durante cem vezes, ainda tem fôlego para perguntar outras cem. Ou, para variar ligeiramente, altera a pergunta para algo do género “é a última vez” ou “é só desta vez”. Muitos são os que não resistem, vencidos pelo cansaço, ou pela falta de voz.



Provocação – A criança procura obter o que deseja provocando os pais. Trata-se de uma técnica mais refinada do que a anterior. Esta provocação pode ser apenas verbal, com as célebres frases “já não gosto de ti”, “és má”, “gosto mais do pai”, e muitas outras. Para algumas mães, estas são frases como que mágicas e conduzem-nas a fazer tudo o que a criança quer para conquistar de novo o seu carinho e a sua aceitação. Outras vezes, a provocação é física, com a criança a atirar-se para o chão, a bater com a cabeça na parede, a gritar... Tudo o que lhe vier à cabeça que a mãe considere prejudicial à sua saúde ou que a embarace se está num local público. Muitas são também as que cedem rapidamente à tentação de terminar com essa cena, dando à criança o que ela pede, para poderem ter sossego outra vez.



Ameaça – Esta técnica é usada por crianças mais velhas e traduz-se, mais ou menos, assim: “Alguma coisa má vai acontecer se não fizerem o que eu quero…” A ameaça pode ser mais específica e incluir “não volto a falar contigo”, “nunca mais faço os trabalhos de casa”, “nem penses que vou jantar”, até ao dramático “vou fugir de casa”. É necessário estar bem consciente do seu papel como mãe ou pai para não cair nesta ameaça.



Mártir – É a técnica preferida de algumas crianças mais passivas e introvertidas. Consiste em fazer sentir aos seus pais que se não cederem ao seu pedido é uma tremenda injustiça. Inclui frases como “ninguém me liga”, “ninguém gosta de mim”, “a vida é uma injustiça” ou “só me apetece morrer”. Nenhum pai ou mãe gosta de ouvir estas frases, sendo por isso instrumentos muito poderosos. E a criança sabe disso.



Anjo – A criança, habitualmente peste ou perto disso, sofre uma transformação mágica e torna-se o maior santo das redondezas. Tudo faz para que os pais se sintam bem e para que reparem no quão bem-comportada ela é. Mas tem um objectivo claro que é o de “amolecer” os pais até ao momento oportuno de fazer o pedido há muito pensado. Tipo estocada final, quando eles estão distraídos. Muitos pensarão: “Está a portar-se tão bem que merece o que está a pedir”, mas o comportamento não foi genuíno, mas interesseiro.



Agressão – É a técnica mais radical. A criança, não conseguindo o que quer, parte para a violência física. Esta pode revestir-se de várias formas, desde bater nos pais a partir objectos. É frequente nas crianças mais novas, pois é um mecanismo mais primário de conseguir atenção e fazer chantagem.



Decerto todos conseguiram encontrar alguma forma habitual de actuação nas crianças lá em casa. A questão principal não é se as crianças tentam manipular os pais, pois isso já sabemos que sim. A questão principal é se os pais se deixam levar pela manipulação da criança. Educar implica, de vez em quando, provocar alguma frustração nos nossos filhos, não lhes dar tudo o que pedem ou se acham no direito de obter. E isso não tem nada de mal. Em termos práticos, se identificou um padrão de manipulação que é habitualmente usado por um dos seus filhos, isso implica que algo está mal na educação dessa criança, pois significa que ela já percebeu que essa técnica funciona consigo. Seja firme e não deixe de fazer aquilo que acredita ser o melhor para elas. Independentemente da pressão a que vai ser sujeito por parte das crianças. É para o bem de todos.

Por Paulo Oom

Pediatra da Clínica Gerações

Tel. 213 583 910

paulo.oom@geracoes.net

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