segunda-feira, 31 de maio de 2010

PROPOSTA PARA UMA NOVA ESCOLA

PROPOSTA PARA UMA NOVA ESCOLA

Desde o primeiro ano que o João era um aluno aplicado e interessado nas aulas. Esta atitude tinha como consequência directa que no final de cada período o João fosse dos melhores alunos da turma e o seu desempenho escolar era reconhecido por professores e pelos colegas.
À medida que foi transitando de ano, sempre com sucesso, os colegas que não o conseguiam acompanhar no aproveitamento escolar, começaram a nutrir alguma antipatia pelo João. Essa antipatia traduzia-se por não ser convidado para as brincadeiras, e muitas das vezes era deixado de lado pela maioria dos colegas. Depois veio uma segunda fase em que, sempre que o menino respondia acertadamente nas aulas às perguntas que os professores faziam ou que quando lhes eram entregues os testes com boas notas, era achincalhado pelos colegas que o chamavam “marrão” e “betinho”.
Na cabeça do João desenrolava-se um drama e uma equação de difícil resolução. Ou continuava a ser bom aluno e tinha a turma em peso contra si, ou deixava se estudar e era aceite pelos colegas.
O João sentia-se deprimido e confuso, por um lado tinha gosto em estudar e fazer o melhor possível para que as notas não descessem, por outro, o problema do isolamento e do gozo de que era alvo, eram cada vez mais difíceis de suportar.
Vendo que o motivo de ser descriminado residia no seu bom desempenho escolar, e que não conseguia ser aceite pelos colegas, decidiu começar a desleixar-se nos estudos, e com isso conseguiu integrar-se no grupo.
Isto que acabo de relatar não é ficção. Há muitos Joões e muitas Marias, que a determinada altura do percurso escolar resolvem ser “maus alunos”. Resolvem nivelar-se por baixo e descer ao nível daqueles que não querem trabalhar.
Mas o que fazer?
Como adultos responsáveis que somos, temos a obrigação de fazer tudo o que está ao nosso alcance para quebrar este círculo da descriminação que hoje com uma frequência preocupante acontece na escola. Mais concretamente, hoje o bom aluno é descriminado por ser bom aluno, é gozado, humilhado, insultado por cumprir o que dele se espera. Ora isto não faz sentido absolutamente nenhum e é contra natura, enviando uma mensagem muito clara aqueles que ainda estão em formação de que o que merece ser valorizado é o mau, o mau aluno, o mal comportado, o mal educado, o que subverte completamente todas as regras, pondo em causa os princípios fundamentais em que assenta a nossa civilização, entre os quais o reconhecimento pelo mérito de se ter atingido objectivos através do trabalho e da dedicação.
A verdade é que a escola tem de ser capaz de dar resposta a estas questões acentuando, cada vez mais, a educação em duas vertentes essenciais: a instrução (aquisição de conhecimentos), e a socialização (interiorização de condutas e valores para a vida em sociedade).
A própria Lei de Bases do Sistema de Ensino, no seu art. 3.º/b, refere os valores "espirituais, estéticos, morais e cívicos". Não é por acaso que surgem em primeiro lugar os valores "espirituais"; (pedem para formar indivíduos íntegros com personalidade e carácter); em segundo lugar, os valores "estéticos" (pedem que esses mesmos indivíduos cresçam de forma plena e harmoniosa); em terceiro lugar, os valores "morais", (pede-se à escola pessoas bem formadas, tolerantes, responsáveis, respeitadoras, solidárias e empenhadas na mudança); por fim, e em quarto lugar, vêm os valores “cívicos” (querem cidadãos livres, autónomos, com espírito democrático, de cooperação, e pluralista).
Deverá a Escola alhear-se do ensino destas competências? Se a Escola se alhear dos ideais que nos tornaram mais humanos, onde é que os alunos, futuros homens e mulheres, vão aprender a raciocinar sobre os princípios éticos que são expressão da nossa natureza comum e que nos unem mais do que as nossas parecenças físicas, a nossa língua e os nossos costumes?
Não é certamente na televisão, nos gangs, no serviço militar ou no emprego que eles vão aprender a preferir a solidariedade à competição, o bem-estar dos outros aos interesses meramente egoístas e a verdade à mentira.
A guerra, o ódio, o fanatismo, a opressão e a mentira só poderão ser debelados com homens e mulheres habituados a raciocinar sobre os valores morais que unem a espécie humana.
O raciocínio moral está presente nas mais pequenas coisas e pode surgir dos mais pequenos incidentes ocorridos na sala de aula, na escola, na comunidade ou no mundo.
Cabe à Escola e aos Pais ensinar a usar e a gostar de usar o potencial de justiça e de bondade que está dentro de cada um de nós. Esse potencial, por vezes, não se utiliza porque nos habituámos a prescindir da razão e do pensamento e nos conformámos com o que está feito (sempre foi assim, sempre fiz assim, é a desculpa comum).
É tão importante que a Escola nos ensine a escolher bem, a pensar bem, a usar a razão, como nos ensinar a ler, a escrever e a contar.
Posto isto é necessário partir para a acção e a para a elaboração de uma proposta.
Objectivos do Projecto:
- Incutir valores, referências, modelos, nos jovens.
- Proporcionar aos alunos experiências que favoreçam a sua maturidade cívica e sócio-afectiva, criando neles atitudes e hábitos positivos de relação e cooperação, quer no plano dos seus vínculos de família quer no da intervenção consciente e responsável na realidade circundante;
- Desenvolver a personalidade com base em valores morais, estéticos e cívicos.
- Premiar aqueles que interiorizaram os valores e os praticam atingindo os objectivos que esses valores encerram.
O Projecto:
Em primeiro lugar a criação de uma divisa, um mote, um lema, uma ideia expressa por palavras ou frases que sirva de guia e de motivação para os alunos.
Na Universidade de Harvard, a mais antiga universidade dos Estados Unidos fundada em 1636, a divisa é “Veritas”, verdade.
Na Universidade de Yale, fundada em 1701, divisa é “Lux et Veritas”, luz e verdade no sentido que luz significa esclarecimento.
Na Universidade de Cambridge “Hinc lucem et pocula sacra”, aqui recebemos conhecimento e sabedoria.
O que se propõe é que a comunidade escolar, pais, professores, pessoal não docente, alunos, autarquia e representantes da comunidade local, encontrem três palavras que encerrem em si ideias fortes que possam servir de “ancora” para que os jovens interiorizem o seu significado e hajam em conformidade, premiando-se ao longo do ano, e no seu final, aqueles que melhor souberam pôr em prática os ensinamentos que esses conceitos encerram.
Por exemplo, se se escolher como divisa da escola, (pensamos que a Escola D. Luis de Ataíde poderá começar como escola piloto, alargando-se depois a iniciativa às outras escolas do agrupamento), Saber, Harmonia, Solidariedade, estamos a querer dizer que a escola é em primeiro lugar um local de aprendizagem, um sítio que os alunos frequentam para adquirirem conhecimentos, e para poderem estar melhor preparados para enfrentarem com êxito o mercado de trabalho. A harmonia significa que não basta o aluno aprender, tem que ter um comportamento adequado à vivência em sociedade, tem que cumprir regras, tem que respeitar os outros, sejam eles colegas, professores ou funcionários. A solidariedade é outro valor fundamental uma vez que completa, fecha o círculo, do que o bom aluno deve ser. Não basta ter boas notas, não basta ser bem comportado, tem também de estar disponível para ajudar os seus colegas, não só ajudá-los nos estudos, mas também estar disponível para ouvir os seus problemas e tentar encontrar soluções.
Neste projecto o que se propõe é a construção de um mural à entrada da escola, onde por cima do mesmo se inscrirão os três valores que a comunidade escolar elegeu.
Todos os anos, em cerimónia que marcará o inicio do ano lectivo, o aluno de cada uma das turmas da escola, que se tenha distinguido nas três áreas simultaneamente, verá colocado nesse mural um azulejo alusivo ao seu mérito e complementarmente receberá um prémio que poderá ser o pagamento dos seus livros escolares.
Todos os meses, para incentivar a participação dos alunos, para os motivar para o seu envolvimento e integração neste projecto e na escola bem como nas suas actividades, terá lugar uma votação por toda a turma, para eleição do aluno do mês. Esta eleição poderá ser feita segundo critérios a estudar mas sempre como referência aos valores éticos definidos para a escola, para que não haja a tentação de que a eleição recaia no aluno que mais se evidencia pela negativa.
Operacionalização do Projecto:
A operacionalização deste projecto passa, em primeiro lugar, pela planificação e desenvolvimento de actividades transversais a todas as disciplinas, de forma a que ao longo do ano lectivo os alunos possam ir demonstrando, através do desenvolvimento de trabalhos em várias disciplinas, as competências que serão objecto de avaliação e consequente nomeação para o quadro de mérito.
Vários são os possíveis temas a serem desenvolvidos, mas gostaria que a tónica fosse na Educação para os Direitos Humanos com relevo para a cidadania, a democracia, a consciência cívica, a solidariedade e o respeito pela diferença.
A nível pedagógico, poderá começar-se com o estudo da Carta Universal dos Direitos do Homem, não só dos seus artigos mas também do seu enquadramento histórico, da razão de ser das Nações Unidas, dos conflitos geopolíticos do século 20, da evolução e reconhecimento dos direitos humanos, com especial destaque para os das mulheres, do estudo das personalidades que se distinguiram na defesa dos direitos humanos e dos cidadãos, Martin Luther King, Nelson Mandela, Mahatma Gandi por exemplo.
Os 30 artigos Carta Universal dos Direitos do Homem poderão ser objecto de estudo nas 30 semanas do ano lectivo, devendo o aluno, no final do ano apresentar um trabalho que servirá para avaliação nas disciplinas de Educação Cívica, História, Geografia, por exemplo.
Outros temas que poderão ser desenvolvidos poderão ser, as relações interpessoais (estudo do regulamento interno da escola), a educação do consumidor, a educação para a saúde (com especial incidência nos hábitos alimentares e na problemática da droga), a educação ambiental, a educação politica (com relevo para a democracia portuguesa e para o enquadramento histórico), a educação sexual, o mundo do trabalho (as aptidões e saídas profissionais).
Estas actividades servirão para que os alunos interiorizem os valores que se pretendem incutir.
Por outro lado, nas outras disciplinas, os resultados académicos servirão para avaliar a componente do saber, da capacidade de apreensão dos ensinamentos.
Haverá um longo caminho a percorrer, e os valores que se foram perdendo ao longo do tempo (dos últimos tempos) tardarão a fazer parte da nossa vivência diária. Contudo há que começar urgentemente por alguma coisa e, esta proposta intencionalmente incompleta, é só uma ideia que, se a comunidade educativa avalisar, pode ser o princípio da quebra do círculo que há muito se instalou nas nossas escolas, o da desresponsabilização e da desvalorização do mérito.
Já agora gostaria de terminar com um pensamento, adaptado de um de Aristóteles, que nos ajuda a reflectir no nosso papel como pais, professores ou simplesmente cidadãos anónimos, que tem a obrigação de transmitir ensinamentos, comportamentos e valores.
“Se o discípulo não consegue superar o mestre, então o mestre falhou”

(Leonel Santos – Presidente da Direcção da Associação de Pais da Escola D. Luis de Ataíde de Peniche)
leoneldossantos@mail.telepac.pt

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